Capablanca e seu xadrez simples
LIÇÕES DE CAPABLANCA
(J. Capablanca)
AS FASES DA PARTIDA
Para o estudo e prática do xadrez convém dividir o jogo em três fases, a saber: a abertura, o meio-jogo e o final. Estas três fases estão intimamente ligadas umas às outras, e seria um grave erro estudar a abertura sem levar em conta o meio-jogo e o final. Da mesma forma seria um erro estudar o meio do jogo sem ter em conta o final.
O raciocínio interior demonstra claramente que para aperfeiçoar-se no xadrez deve estudar-se, antes de tudo, o final, pois este pode estudar-se e aprender-se por si somente, enquanto o meio-jogo e a abertura unicamente devem estudar-se com relação ao final.
Este fato evidentemente tem sido posto de lado por quase todas as autoridades na matéria, com resultados funestos para a grande massa de amadores de xadrez. Assim, encontra-se inúmeros trabalhos e livros sobre aberturas. Em troca, os livros sobre finais são raros. Ademais, quase todas as obras sobre finais são recopilações de finais diversos, sem explicações de nenhuma classe ou explicações inadequadas, de modo que a maioria dos jogadores que intenta estudá-los se encontra sem a ajuda necessária para propiciar aos seus trabalhos.
Nestas lições, trataremos de sanar, pelo menos em parte, essas deficiências. Nossos leitores devem ter presente sempre que, a nosso juízo, não se pode ter um conceito exato das aberturas, nem se pode avaliar grande número de variantes em diversas aberturas, sem um conhecimento adequado dos finais.
Sempre recordo o caso de um eminente periodista deste país, pessoa excelente, bem educada e, naquela época, campeão de xadrez no Estado em que residia. Meu amigo dedicou muito tempo e energia ao estudo das aberturas. Quando eu passava pela sua cidade, sempre vinha buscar-me na estação e me hospedava em sua casa. Amiúde conversávamos e me perguntava por tal ou qual variante, e em seu grande assombro, quase sempre lhe respondia: “Não a conheço”.
IMPORTÂNCIA FUNDAMENTAL DOS FINAIS
Então, dizia-me: “Como se arranja o senhor quando alguém os joga”? Respondia-lhe eu: “Noventa por cento das variantes nos livros não valem grande coisa, pois ou estão equivocadas, ou partem de uma base que eu considero falsa; deixe as aberturas em paz e dedique todo esse tempo aos finais. Tirará o senhor maior proveito”.
Tinha eu nessa época, uns vinte anos. Meu amigo, muito mais velho, não aceitou meu conselho, provavelmente tomou-o como conselho de jovem, sem suficiente experiência.
O resultado foi que o meu amigo nunca progrediu e seguiu sabendo muitas variantes de diversas aberturas; porém toda vez que participou de um torneio, fora de seu Estado, fez má figura.
Pessoalmente, devo acrescentar que minha habilidade nos finais proporcionou-nos muitas vitórias ressonantes, e hoje em dia, nos poucos textos sobre o assunto, tratam-se alguns desses finais baseando-se somente em minhas partidas. Sobre este assunto, eis aqui uma história curiosa:
Faz já aproximadamente trinta anos que, jogando contra Nimzowitsch, ganhei um final que todos os espectadores e meu adversário acreditavam que seria empate. Não me ocupei mais do assunto, porém, um ano mais tarde, encontrei-me de novo com Nimzowitsch, e ele me disse: “Recorda o senhor aquele final que me ganhou? Eu me equivoquei em meu sistema de defesa; devia ter sido empate”.
Respondi-lhe que não voltara a ocupar-me do assunto, porém que tinha certeza de que o equivocado era ele, pois eu nunca duvidara de minha vitória durante o transcorrer desse final. Insistiu ele que eu estava errado, acrescentando que havia estudado o final e estava certo de que podia empatar. Disse, ainda que estava disposto a reforçar sua opinião com uma pequena aposta.
Embora eu não tivesse voltado a ver a posição, aceitei a aposta e, sem demora, sentamo-nos para jogar o final. Nas primeiras jogadas, o meu adversário convenceu-se de que havia defesa e pagou a aposta.
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