CAPABLANCA NUNCA PERDEU JOGANDO SICILIANA

                           As Sicilianas de Capablanca

José Raúl Capablanca

As Sicilianas de Capablanca
MI Nelson Pinal Borges


Interessante o título do artigo, mas mais interessante é saber que o ex-Campeão Mundial José Raúl Capablanca, em toda sua carreira, jogou 7 Defesas Sicilianas e que conseguiu com elas o excelente resultado de 4 vitórias e 3 empates.

No repertório do genial cubano contra 1.e4, predominava 1....e5, sobretudo no começo de sua carreira. Ao duplo peão Rei, intercalava, às vezes, a Defesa Francesa e a Defesa Caro-Kan. Jogou algumas Defesas Escandinavas e uma Defesa Alekhine contra Iates no Torneio de Moscou em 1925!

A Defesa Siciliana tem mais de 500 anos; alguns historiadores propõem que Luis Ramírez Lucena a tinha analisado em seu famoso livro "Repetición de amores y el arte del Ajedrez", publicado em 1496. Posteriormente, próximo ao ano de 1620, Greco, o Calabrés, tinha citado num Tratado da época "il giuoco siciliano". Assim mesmo, nos anos 1842-1843, K. Janish a mencionou em seu livro "Nuevas aperturas del juego de Ajedrez" e, algumas décadas depois, também o fez Luis Paulsen. Não obstante, até a segunda metade do século XX, a Defesa Siciliana não encontrou sérios defensores e os Mestres Clássicos do Xadrez, ao menos entre 1850 e 1930, não a incorporaram a seu repertório habitual.

Considerada na atualidade como a Defesa de maiores possibilidades para ganhar contra 1.e4, a Siciliana é um engendro assassino que integram as variantes do Dragão, Najdorf, Scheveningen, Paulsen-Taimanov, Sveshnikov ou Pelikan e outras menos conhecidas, que em mãos de jogadores como M. Tal, L. Polugaevski, R. Fischer, V. Anand e G. Kasparov, entre outros, constituíram-se -e se constituem- em armas muito perigosas.

Pois essa arma mortal foi utilizada por Capablanca contra Ed. Lasker no Torneio de Nova York em 1924 (0-1), contra F. Bogatirchuk em Moscou/25 (0-1) e Merenyi em Budapeste/28 (0-1), contra A. Nimzowitch em Karlsbad/29 (Empate num Maroczy por transposição de jogadas) e Emmanuel Lasker em Moscou/36 (0-1), contra Paul Keres em Semmering Baden/37 (Empate) e contra Milner-Barry em Margate/39 (Empate).

É excepcionalmente instrutiva a partida que Capablanca ganhou do grande Lasker no forte Torneio de Moscou/36, a qual tem um episódio interessante: Antes da partida, o cubano estava indeciso a respeito de que atitude tomar diante de Lasker ; jogar pacificamente? Jogar para ganhar? Seu amigo, o Mestre soviético Jacobo Roklin, o instou a lutar pela vitória, “E o que respondo se o velho Lasker iniciar a partida com 1.e4?”, perguntou o cubano pensando na maestria de seu rival na Abertura Espanhola. “Nesse caso, você poderia responder com uma Siciliana“, respondeu Roklin e a seguir mostrou-lhe mentalmente algumas análises recentes, ao que Capablanca disse que pensaria nisso e saiu a caminhar pelas ruas de Moscou.


Capablanca-Lasker
Moscou, 1925

Para compreender melhor a partida e a magistral condução de Capablanca, é preciso remontar a 60 anos atrás, quando a Defesa Siciliana não tinha sido pesquisada como na atualidade e sua prática magistral ainda não era muito comum. Não obstante, Capablanca desenvolveu com um critério digno de seu extraordinário talento o plano típico da Defesa Siciliana: busca de atividade no flanco da Dama, pressão na coluna c e uma defesa ativa do flanco Rei através de um contra-jogo baseado na ruptura em d5. Vencidos estes aspectos técnicos, a partida derivou para uma posição onde a melhor coordenação e dinamismo das peças negras garantiu uma permanente iniciativa, que conduziu Capablanca a um grande triunfo Siciliano, dando-lhe, de passagem, o primeiro lugar do Torneio, com um ponto de vantagem sobre o então jovem Mijail Botvinnik.

Em. Lasker x J. R. Capablanca
Moscou -1936

01.e4 c5 2.Cf3
(O GM X. Tartakower, catalogou a Defesa Siciliana como a resposta mas viril ao insolente 1.e4.)

02. ... Cc6 3.d4 cxd4 4.Cxd4 Cf6 5.Cc3 d6 6.Be2 Bd7 7.Be3 e6 8.Dd2 a6 9.f4 Dc7 10.Cb3
(É de destacar dois aspectos importantes nesta posição: 1- O negro está se ativando rapidamente no flanco Dama, demorando o roque a espera de que o branco se decida para que flanco rocar. 2- A situação da Dama branca em d2 não corresponde com o plano típico de mobilizá-la para o flanco Rei via De1-Dg3.)

10...b5 11.Bf3 Tb8 12.Ce2
(Merece atenção definir o ataque branco através de 12.g4 e assim compensar a iniciativa negra no flanco Dama.)

12...Be7 13.0-0 0-0 14.Cg3
(Avançar o peão "g" antes de Cg3 teria sido mais enérgico e possibilitaria mais perspectivas de ataque.)

14...a5 15.Cd4 a4 16.Tae1 Tfc8 17.Tf2 Ce8 18.Cxc6
(Antes de realizar f5, Lasker elimina o Cavalo que potencialmente poderia "instalar-se" em e5, o que tornaria muito difícil o progresso do ataque branco no flanco Rei.)

18. ... Bxc6 19.f5 e5 20.Ch5 Db7 21.Bg5 f6 22.Be3 Cc7
(Lasker não pôde elaborar um plano de ataque concreto contra o Rei negro, enquanto Capablanca prepara o plano de liberação de suas peças com o movimento d5.)

23.Dd1 Td8 24.Td2 Rh8 25.a3 Tbc8
(Antes de realizar d5, Capablanca se assegurou de por suas peças nas melhores casas, incluindo o Rei em h8.)



26.Bf2 d5 27.exd5 Cxd5 28.Bxd5 Txd5
(Geralmente, nestes esquemas Sicilianos, quando o negro consegue realizar a jogada d5 sem que o branco tenha um contra jogo no flanco Rei, a iniciativa se faz evidente e permanente. A partir de agora e de maneira magistral, Capablanca converte dita iniciativa em vitória, apesar da férrea defesa de seu rival.)

29.Dg4 Bc5 30.Ted1 Bxf2+ 31.Rxf2 Tcd8 32.Txd5 Txd5 33.Txd5 Bxd5
(O peão passado da coluna do rei, a melhor coordenação das peças negras e a delicada posição do Rei branco determinam a superioridade do negro.)

34.Db4 Da7+ 35.Re2 Bc4+ 36.Rf3 Da8+ 37.Rf2 Dd8 38.Dc3 Dd1
(Penetração decisiva, que põe em evidência a pobre situação do Cavalo e do Rei brancos.)

39.Cg3 h6
(Excelente jogada; ao mesmo tempo que dá uma fuga ao Rei, obriga o branco a jogar.)

40.b3 axb3 41.cxb3 Bxb3 42.Cf1 Db1 43.g4 Bc4 44.Ce3 Dh1
(Este é o começo do canibalismo dos infantes brancos.)

45.Cxc4 Dxh2+ 46.Re1 Dg1+ 47.Rd2 Df2+ 48.Rc1 Df1+ 49.Rd2 bxc4 50.a4 Df4+ 51.Rc2 Dxg4 52.a5 Dxf5+ 53.Rc1 Df2 54.Da3 Rh7
(Um remate pacífico. Não há nada a fazer, se 55.a6 c3!, 56.Dc3 Df1+ e 57... Da6 ficando com 4 peões de vantagem.) 0-1

Obras consultadas:
*Capablanca, Leyenda y Realidad -
Miguel A. Sánchez, La Habana, 1978.
*Homenaje a Capablanca -
Ministerio de Educación, La Habana, 1943.
Artigos do MI Nelson Pinal em espanhol na web Ajedrez Espectacular

Fonte: Ajedrez Espectacular

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