HISTÓRIAS DE BOBBY FISCHER
BOBBY FISCHER
Por Yasser Seirawan
Quando eu estudava na Garfield High School, em Seattle, meu professor de física pediu à classe que escrevesse um trabalho sobre a teoria do Big Bang (A Grande Explosão) da criação do universo. Em suas aulas, ele parecia especialmente entusiasmado com a teoria, elogiando-a efusivamente. Eu não compartilhava do entusiasmo dele, tendo dúvidas sobre a teoria, mas, mesmo assim, escrevi diligentemente um ensaio intitulado “No princípio”. Ele apresentava o conceito do Big Bang e eu escrevi favoravelmente sobre como a teoria fazia sentido. Recebi um “A+” pelo trabalho e desde então penso sobre o “Princípio”.
A LENDA FISCHER SE INICIA
“O Big Bang”, não apenas para a minha carreira de xadrez, mas para muitos enxadristas americanos, foi o sucesso de Robert James Fischer em 1972 (1943-2008). Naquele ano, ele se tornou o décimo primeiro Campeão Mundial de Xadrez segundo a Federação Mundial de Xadrez. Sua vitória no match de 1972 contra Boris Spassky, da União Soviética, teve um papel central no meu entusiasmo pelo xadrez. Seu sucesso impulsionou o povo americano para o xadrez e o match com Spassky foi notícia de primeira página por vários meses. Logo todos sabiam da história: ele foi o americano que enfrentou “sozinho” o rolo compressor de xadrez da União Soviética, derrotou-os todos sucessivamente e ganhou a coroa, tornando-se o Campeão do Mundo. Meu círculo de amigos íntimos de xadrez estava em polvorosa. “Bobby”, como era carinhosamente conhecido por todos, era simplesmente o brinde dos tempos. O fenômeno Bobby Fischer foi extraordinário.
A revista Life fez uma grande reportagem de capa sobre ele, enquanto a mídia acompanhava todos os seus movimentos dentro e fora do tabuleiro. Após sua vitória em Reykjavik, na Islândia, em 1972, Bobby foi homenageado com um desfile na cidade de Nova Iorque e recebeu as chaves da cidade; apareceu no programa Tonight de Johnny Carson; fez uma paródia com Bob Hope; o presidente Nixon o saudou como um herói nacional... E então, no auge de seu reconhecimento e conquistas profissionais, ele deixou o palco e desapareceu.
ONDE ESTAVA O BOBBY?
Dizer que a situação era exasperante seria um eufemismo. Todo fã de xadrez nos Estados Unidos aguardava sua próxima partida, torneio e confronto. A impetuosa marcha de Bobby pelo ciclo do Campeonato Mundial e na disputa pelo título tinha sido tão dominante que simplesmente não havia dúvida de que ele seria o vencedor no próximo torneio ou evento em que competisse. Vivenciamos uma ansiedade coletiva enquanto aguardávamos o anúncio de quando e onde ele iria jogar novamente. Essa pausa em sua carreira coincidiu com a época em que eu comecei a jogar e me deu uma chance de tentar me igualar. Eu aprendi a repetir suas maiores vitórias, inclusive a “Partida do Século” contra Donald Byrne. Uau! Disputada quando ele tinha apenas 13 anos.
Eu me emocionava com as histórias sobre a sua partida contra Robert Byrne no Campeonato Mundial dos Estados Unidos. Bobby tinha sacrificado uma peça e os Grandes Mestres que faziam comentários durante a partida diziam sabiamente ao público que ele tinha jogado levianamente e agora estava perdido... Em seguida, para a surpresa deles, Byrne abandonou a partida. As histórias eram todas muito inspiradoras. Era como se Bobby estivesse em um mundo próprio.
Os meses se passavam e ainda não se tinha notícia sobre o esperado retorno triunfal de Bobby ao tabuleiro. A preocupação cresceu. O próprio Bobby não havia dito a todos que, como Campeão do Mundo, ele iria jogar com frequência e manter um papel ativo jogando em todos os eventos maiores e mais importantes? Citava-se amplamente que Bobby teria dito em uma entrevista: “Tudo o que eu quero fazer é jogar xadrez”. Onde estava ele? Nesse período de trevas no xadrez, parecia que ele estava se escondendo – mais especificamente, evitando toda a imprensa e os paparazzi. Ele parecia especialmente tímido diante das câmeras. O que ele estava fazendo? Estava estudando? Estava jogando “partidas de treinamento particulares” para manter sua vantagem? Bobby não estava apenas ausente – ele tinha desaparecido completamente. Um vácuo de xadrez havia sido criado. O desfile tinha parado, o líder era um desertor.
Em 1974, apareceu um novo livro, escrito por Brad Darrach, repórter da revista Life, intitulado Bobby Fischer vs. the Rest of the World. Ele causou sensação em meu círculo de amigos. Devorei o livro ansiosamente, saboreando todas as revelações sobre as opiniões e o comportamento de Bobby. Várias passagens me fizeram rir alto, imaginando o que Bobby teve de suportar durante o vendaval a seu redor. “Tire os russos das minhas costas”, foi o que ele disse ao coronel Ed Edmondson, o chefe de sua delegação, e essas palavras adquiriram vida própria. “Saia das minhas costas!” ouvia-se nos clubes de xadrez e no café Last Exit, onde aprendi a jogar e usar um relógio de xadrez para jogar partidas de Blitz, ou de cinco minutos.
As especulações sobre o que Bobby estaria fazendo ou deixando de fazer pareciam crescer e tornar-se mais extravagantes com o passar do tempo. A Igreja Universal do Reino de Deus de Garner Ted Armstrong parecia desempenhar um papel central na vida de Bobby. Essa Igreja parecia ser uma espécie de culto apocalíptico de fundamentalistas cristãos que acreditavam na profecia do Novo Testamento. O apocalipse estava sobre nós e somente os verdadeiros crentes seriam salvos. Circularam rumores de que Bobby tinha doado os seus ganhos com o Campeonato Mundial para a Igreja. Sua secretária particular, “Claudia”, um membro da Igreja, era responsável por entrar em contato com Bobby e repassar os convites e propostas comerciais. Ela parecia ser o único canal de contato com Bobby. Espalhavam-se rumores sobre ações judiciais de Chester Fox, o homem que tinha os direitos de filmagem do jogo de 1972, assim como de uma ação judicial contra os editores do livro de Darrach. Todos os detalhes eram avidamente compartilhados.
Fiquei sabendo que Bobby tinha recebido uma oferta de um milhão de dólares para endossar um xampu em um comercial. Um milhão de dólares! Que quantidade assombrosa de dinheiro! Dinheiro fácil com certeza. Bastava tornar-se Campeão Mundial de Xadrez e patrocinadores e ofertas comerciais bateriam à sua porta. Como Bobby tinha reagido a uma oferta tão maravilhosa? A resposta que nos surpreendeu foi que Bobby recusou. Recusou um milhão de dólares? Seria possível? E, em caso afirmativo, por quê? A resposta foi que Bobby recusou a oferta comercial pela mais simples das razões: ele não usava aquela marca particular de xampu. Esta resposta impressionante provocou incrédulos minutos de silêncio seguido por gargalhadas. Não parecia possível! “Sério?” todos perguntamos. Sim, fomos informados – Bobby é uma pessoa muito “pura”, que nunca iria endossar um produto no qual não acredita pessoalmente. Hmm.
Essas histórias me fizeram reavaliar toda a minha noção de endossos comerciais. Será que eu seria tão puro? Rejeitaria uma oferta de um milhão de dólares porque eu não usava o produto em questão? Certamente que não! Eu também não possuía um Rolls Royce nem um relógio Rolex Midas, mas por um milhão de dólares eu certamente os indicaria como excelentes produtos, especialmente se algumas amostras fossem fornecidas como parte de meu apoio! Afinal, eu deveria ter a chance de experimentá-los. Histórias sobre Bobby pululavam. Era impossível distinguir mito de realidade. Repórteres escreviam tudo o que imaginavam, e não havia ninguém para desmenti-los. Toneladas de lixo eram vomitadas e constantemente recicladas. A ficção tornou-se realidade, repetida por um texto atrás do outro. Os amigos, perplexos com essas reportagens, pediam a Bobby que escrevesse cartas para corrigir os autores, mas geralmente sem sucesso. Meus amigos de xadrez de Seattle ansiavam por qualquer notícia de Bobby. A sabedoria reciclada era a de que ele estava com a Igreja Universal do Reino de Deus, que Claudia conduzia seus negócios e que, em vez de treinamento de xadrez, ele estava concentrado no processo sobre o livro de Brad Darrach. Não havia apoios comerciais, nem torneios, nem notícias. Estávamos dolorosamente vazios de histórias para contar uns para os outros.
Artigos constantemente repetiam e alardeavam o seguinte: Bobby desprezava a imprensa, recusou todos os pedidos de entrevista e não queria que as pessoas soubessem onde ele vivia: que levava uma vida solitária em Pasadena, Califórnia, usando transporte público para fazer viagens à Biblioteca Pública de Los Angeles para fazer pesquisas para seu processo judicial; que todos os seus amigos lhe prometeram sigilo e que estava afastado de sua família.
Embora seja apenas especulação da minha parte, parece que a ação judicial de Bobby contra Brad Darrach teve um papel central em sua vida por muitos anos e terminou em desastre para ele. Em sua edição de junho de 1977, a revista Chess Life & Review relatou:
“A ação judicial de 5 milhões de dólares por invasão de privacidade movida por Bobby Fischer contra o autor Brad Darrach, da Time-Life International e Stein and Day Publishers, foi indeferida pelo juiz do Tribunal Regional da Califórnia, Matt Byrne. Fischer acusara o autor e os editores de quebrar promessas escritas e orais de não publicar detalhes de sua vida privada. Furioso com o resultado, Fischer disse ao juiz David Byrne: ‘Não pagarei um centavo de imposto de renda até que seja feita justiça neste caso.’ Palavras impressionantes e reveladoras de Bobby. Seu profundo antagonismo às autoridades federais dos Estados Unidos tinha começado.
O MATCH DE 1975
Um dia, um raio de luz nos trouxe energia: Bobby teve uma carta publicada na edição de novembro de 1974 da Chess Life & Review, na qual ele propunha novas, ou talvez antigas, regras para o match de defesa do título programado para 1975. Em vez das regras do melhor de 24 partidas que ele usou para derrotar Boris Spassky, Bobby queria retroceder cem anos para as regras de Wilhelm Steinitz, propondo um confronto do primeiro a ganhar dez partidas, desconsiderando-se os empates. Estas regras incluíam a condição de que, se o Campeão Mundial que estivesse defendendo o título (Fischer) vencesse nove partidas, ele não poderia perder o match. O Campeão Mundial teria que vencer dez partidas para ganhar a competição, assim como o Desafiante – mas, se o Campeão Mundial vencesse nove partidas, o pior que poderia acontecer seria um empate com nove vitórias de cada um. O prêmio seria dividido igualmente em caso de um empate de nove vitórias, mas o Campeão Mundial conservaria seu título.
A proposta de Bobby provocou imensas discussões nos círculos e revistas de xadrez. Matemáticos escreveram extensamente sobre como um empate de 12 a 12 com o Campeão conservando seu título era mais vantajosa para o Campeão Mundial do que as regras de obrigação de vitória em dez partidas. Na Chess Life & Review, Fischer explicou que, como os empates não contavam, os dois adversários estariam motivados a jogar por uma vitória em todas as partidas. Era tudo muito excitante. Bobby estava voltando! E também não jogaria apenas as 24 partidas. Quem sabia quanto tempo iria durar um match contra o Desafiante soviético Anatoly Karpov? Seriam meses de partidas. Ou jogaria?
A instituição de xadrez que teria que aprovar as mudanças nas regras era a Federação Internacional de Xadrez (FIDE) que, como muitas instituições internacionais da época, era dominada pela União Soviética e seus aliados. As propostas de Bobby seriam aceitas pelos delegados nacionais na Assembléia Geral da FIDE, ou as mudanças propostas por Bobby seriam rejeitadas? De repente, pessoas que nada sabiam sobre a FIDE começaram a aprender sobre seu Comitê Central, suas regras e seus procedimentos de votação. Era tudo muito estranho, mas, de alguma forma, também fascinante.
Mais ou menos na época em que se acirrava a discussão sobre se as propostas de Bobby seriam mais justas para o Desafiante do que uma disputa de duração fixa, na qual os empates aproximavam o líder do título cobiçado, surgiram rumores de que o ditador filipino Ferdinand Marcos tinha oferecido cinco milhões de dólares para sediar o Campeonato Mundial de Xadrez de 1975. Todos se voltaram para a FIDE – certamente os delegados aprovariam as mudanças nas regras, Bobby estaria na disputa e milhões de dólares estariam em jogo. Com 20% do dinheiro indo para a FIDE, seria uma oferta boa demais para ser recusada. Estávamos tontos de empolgação. A votação na FIDE seria uma formalidade. Então o mundo do xadrez foi engolido por um buraco negro. O ex-Campeão Mundial Max Euwe, na época presidente da FIDE, convocou um congresso especial da FIDE para votar sobre as propostas de Fischer para as regras do Campeonato Mundial. A votação foi muito disputada. Meu amigo coronel Ed Edmondson, que tinha sido diretor executivo da United States Chess Federation (USCF), ou Federação de Xadrez dos Estados Unidos, contou-me sua história nos bastidores do evento, que eu resumi como segue: “A disputa seria acirrada. Os dois lados estavam usando todos os meios possíveis. Os soviéticos estavam torcendo braços e cotovelos e as nações ocidentais estavam fazendo o mesmo. Aquela era a nossa chance de levar o xadrez a novos patamares. A perspectiva de um match de cinco milhões de dólares disputado nas Filipinas, confrontando um americano e um soviético, colocaria o xadrez com firmeza nas capas de jornais do mundo inteiro outra vez. O confronto provavelmente duraria meses. Fazíamos lobby como se não houvesse amanhã. Sem dúvida, não haveria amanhã. “Eu conhecia o Bobby muito bem. Ele queria as regras de Steinitz e acreditava genuinamente que elas eram mais justas para os dois adversários. Ele as queria mesmo antes de jogar contra Spassky, mas como Desafiante ele não tinha chance de mudar as regras. Eu sabia, simplesmente sabia que, se as regras de Steinitz não fossem aprovadas, Bobby renunciaria ou perderia seu título. As apostas eram radicais assim. Antes da votação, eu estava nervoso, porém confiante. Eu achei que ele iria ganhar, mas com uma margem pequena. Perdemos por uma margem muito estreita. Ao que parece, o delegado mexicano mudou seu voto no último instante possível. Um ano depois, uma delegação de Grandes Mestres soviéticos visitou o México em uma turnê de cortesia realizando seminários e simultâneas gratuitas. “Os soviéticos conseguiram sua vitória, mas atrasaram o xadrez em uma década ou mais.”
Lembre-se de que essa votação ocorreu em uma época em que os soviéticos e seus satélites costumavam vencer votações nas Nações Unidas com margens retumbantes. O fato de a disputa ter sido tão acirrada é realmente um atestado de o quanto foi forte o lobby da USCF. O resultado da decisão da FIDE não poderia ter sido mais cataclísmico. A previsão mais terrível se concretizou: praticamente no momento em que a contagem de votos foi anunciada e a moção pela mudança de regras perdida, Bobby declarou sua renúncia como Campeão Mundial de Xadrez da FIDE. Posteriormente, contudo, Bobby declarou que renunciara “apenas” seu título da FIDE e que ainda era Campeão Mundial.
Em vez de aprovar as regras de Steinitz de “precisar vencer dez partidas”, que Bobby queria, os delegados da FIDE buscaram um meio-termo e aprovaram um conjunto de regras de “precisar vencer seis partidas”. Em caso de um empate de cinco a cinco, o match continuaria até que a próxima partida decisiva fosse disputada. As regras de “precisar vencer seis partidas” eram defendidas por José Raúl Capablanca e costumam ser chamadas de “Regras de Londres”. Isso era típico na tomada de decisões da FIDE então e sempre. Dada uma escolha entre “A” ou “B”, os delegados da FIDE invariavelmente aprovavam um plano “C”, o qual era um híbrido entre as duas opções que geralmente sublinhavam e combinavam os piores aspectos das duas opções originais e, ao mesmo tempo, não possuíam qualidades próprias compensadoras.
Naquela época e desde então, eu achava que um match de 24 partidas era mais do que suficiente para determinar o melhor jogador. Eu gostava do sistema de ter que vencer dez partidas pelo aspecto dramático, pois os jogadores teriam que correr riscos para vencer o match, mas a ideia de uma competição “sem data para terminar” me preocupava. Um match deste tipo poderia se estender por meses, possivelmente arruinando o orçamento do patrocinador e também enfadando o público. Os organizadores de um match de dez vitórias poderiam ser financeiramente aniquilados ao fixar um local para a competição. E se o match se decidisse em poucas semanas e o lugar tivesse sido alugado por muitos meses? Inversamente, e se após muitos meses o placar fosse de apenas seis vitórias para um dos competidores? Como estender o contrato ou encontrar um novo local? E como um match realmente longo que durasse muitos meses afetaria o ciclo de três anos? Por princípio, o perdedor do match tinha que entrar no ciclo nos estágios iniciais, mas ele poderia já estar em andamento. Após a renúncia de Bobby em abril de 1975, o Desafiante soviético Anatoly Karpov foi declarado Campeão Mundial por forfeit [falta].
Os apreciadores americanos de xadrez ficaram amargamente decepcionados, sentindo, sem dúvida, como Bobby sentia, que eles e todo o mundo do xadrez tinham sido privados de um duelo excitante. O novo Campeão Mundial, Anatoly Karpov, passou sua carreira tentando reverter a opinião pública de que ele não era um verdadeiro campeão.
A LENDA CRESCE
Apesar da desistência, o interesse em Bobby Fischer era tão palpável que, quando eu joguei no Aberto Americano em 1976 em Santa Monica, correu um falso boato no salão do torneio de que um “homem de barba, possivelmente Bobby” estava no prédio. O salão de jogos ficou praticamente vazio. Esta era uma grande proeza em um evento suíço grande, onde uma sirene com quatro alarmes mal conseguia tirar os competidores de seus tabuleiros. (Lembre-se de que Pasadena, a cidade natal de Bobby, ficava apenas a uma hora de carro de Santa Monica.)
Encontrar uma comparação para ilustrar o impacto da ausência de Bobby é mais do que difícil, mas vou tentar. Atualmente somos abençoados com alguns talentos excepcionais no xadrez no mundo inteiro: Yifan Hou, uma chinesa de 15 anos, é apresentada como futura Campeã Mundial; Parimarjan Negi, da Índia, Sergey Karjakin, da Ucrânia, Teimour Radjabov, do Azerbaijão, Hikaru Nakamura, dos Estados Unidos, Daniel Stellwagen, da Holanda, e David Howell, da Inglaterra, todos se destacam; e, é claro, o mais cotado de todos, Magnus Carlsen, da Noruega. Como é emocionante ver todas essas jovens estrelas competirem e avançarem lentamente rumo às mais altas honrarias. Embora seja difícil reconstituir a época de 1974 e 1975, para colocar o interesse em Bobby em perspectiva, leve embora todas essas promissoras estrelas da atualidade e faça-as declarar coletivamente que estão desistindo do xadrez para sempre. O desapontamento sentido pela ausência de Bobby não poderia ser maior. Eu, por exemplo, fiquei totalmente murcho.
Depois de 1975, tive que me consolar jogando por meio de My 60 memorable games e também ouvindo histórias de colegas que tinham conhecido Bobby pessoalmente. Eis, então, uma lista de “Histórias de Bobby” de que eu sempre gostei. A maioria delas estou compartilhando pela primeira vez...
As duas primeiras são de Robert Byrne, que, além de ser um dos Grandes Mestres mais bem-sucedidos dos Estados Unidos, escreveu para a Gray Lady, o The New York Times, por décadas. Resumirei duas histórias de Byrne como segue: “Foi durante a disputa das Finais dos Candidatos de 1971, em Buenos Aires, com Tigran Petrosian. Eu estava no centro de imprensa preparando minha coluna. Todos os soviéticos estavam lá, olhando para os monitores e analisando o jogo abertamente em uma das mesas centrais. Miguel Najdorf era o centro das atenções e fazia comentários depois de cada lance. Miguel achava que Bobby tinha uma boa posição na sexta partida e então, quase inacreditavelmente, ele fez seu lance, Cc5xd7, trocando seu impressionante cavalo em c5, realmente poderoso, por um dos piores bispos em d7 que uma posição pode ter... “Najdorf quase voou da cadeira. ‘Meu Deus! Ele enlouqueceu!’, ele começou a gritar. ‘Trocar um cavalo desses por um bispo daqueles!’ Najdorf segurou o cavalo para que todos o vissem. ‘Ele não entende nada, nada de xadrez!’ “Os soviéticos praticamente riram e se abraçaram; eles estavam muito contentes com o que todos concordavam ser uma péssima troca. Uma troca que livraria Petrosian do perigo, entende? “Todos olharam para mim, esperando que eu, por ser dos Estados Unidos, tentaria defender a decisão de Bobby, mas eu apenas fiquei em silêncio, explicando que eu tinha uma coluna a escrever e estava ocupado demais para tomar parte naquilo. Secretamente, eu sabia exatamente o que Bobby estava pensando, porque eu tinha analisado com ele muitas vezes. Para Bobby era tudo muito simples. Ele valorizava mais os bispos do que os cavalos. Ponto. Para ele, na posição resultante, seu bispo estava muito melhor do que o cavalo das Pretas. Ele viu que podia centralizar seu rei, bloquear o peão d passado das Pretas e, depois, suas torres e bispo coordenar-se-iam melhor do que as torres e o cavalo, portanto, o jogo estava acabado. Para Bobby, aquela captura de cavalo por bispo era como cravar o último prego no caixão.
“Alguns lances depois da troca, eu estava olhando para o Grande Mestre Alexey Suetin, o técnico de Petrosian, e ele estava de boca aberta e ficando cada vez mais boquiaberto. Quando Petrosian se encontrava prestes a abandonar a partida, seu queixo estava quase na mesa e ele sussurrou: ‘Ele joga de uma maneira tão simples.’ Eu me esforcei muito para me conter, para ser educado e não rir, mas não foi possível. Veja, aquele era o jeito do Bobby jogar. Xadrez clássico simples.”
Existe algo nessa história que me emociona profundamente, a ideia de que o Campeão Mundial tem uma compreensão nitidamente superior a dos outros. Ele tem seus conceitos e com seus lances ele diz: “É assim que eu penso. Refute-me se for capaz”.
A segunda história de Byrne era de 1966:
“Jogamos em Havana na Olimpíada. Os cubanos eram anfitriões maravilhosos. Os momentos mais felizes para mim eram quando Bobby era cortejado. Ele tinha uma suíte ampla bacana e a equipe toda entrava em fila depois da rodada. Bobby reconstituía a partida para nós e nos mostrava como ele havia vencido e por quê. Era simplesmente fascinante. Sua análise era incrível. Era como se os lances fluíssem das pontas de seus dedos. Suas mãos eram grandes e as peças apenas se mexiam, praticamente dançando, e era tão especial. Daí, um desastre se abateu sobre nós... Bobby estava mostrando um jogo à equipe e então fez uma pausa e começou a rir, e ficou rindo e rindo cada vez mais alto. Tentando falar, ele disse: ‘E agora vocês sabem o que o pato jogou? Ele jogou... vocês não vão acreditar...’ Bobby moveu a peça e sumiu debaixo da mesa num ataque de riso convulsivo. “A equipe se pôs a estudar a posição freneticamente. Não conseguíamos entender a risada de Bobby e queríamos compartilhar. Mas, maldição. O lance que seu adversário fez parecia totalmente sensato e eu estava tendo dificuldade para entender onde estava a refutação. Foi então que Bobby se recuperou de seu ataque de riso e conseguiu sair do chão e voltar para o tabuleiro. Ele fez seu lance. Droga! Estava bem debaixo do nosso nariz e era tão óbvio. Eu não tinha visto. Mas quando eu compreendi instantaneamente como aquilo minava totalmente a estratégia do adversário, eu também tive que começar a rir. Uns segundos depois outra pessoa começou a rir, e logo todos estavam rindo também. Mas eu te digo, Yasser, naqueles poucos segundos em que não vi o lance, fiquei em pânico total. Eu não queria que Bobby pensasse que eu também era um pato”.
O lado negro de analisar xadrez com um gênio. Você não quer ser chamado para o ringue para explicar um lance. Quem conheceu “Don” Miguel Nadjorf, o Grande Mestre argentino nascido na Polônia, sabe que ele era um homem de paixões. Veloz para tomar uma decisão em um décimo de segundo, Miguel me contava histórias sobre os campeões por horas a fio. Eu não entendia por que alguém não entrevistava Miguel por algumas horas, pois ele era um ótimo contador de histórias. Eu adorava nossos encontros. Ele tinha inúmeras histórias sobre Bobby, das quais muitas me esqueci, infelizmente. Miguel tinha opinião sobre tudo e, a que segue, discutimos muitas vezes e demoradamente. Estávamos em um restaurante em Buenos Aires jantando nosso “lomo” de costume quando Miguel me disse, “Jasser!” (em espanhol, o “y” muitas vezes é pronunciado como um “j”, e Miguel gostava mais do som de Jasser do que de Yasser; assim, para Miguel – e somente para ele – eu fiquei sendo Jasser) “Você sabe que o Bobby não tem estilo.” Agora, este é o melhor gambito de abertura para uma conversa entre enxadristas que eu já vi. “Quê? Eu não te entendo, Miguel. O que você quer dizer?” perguntei. As opiniões de Miguel eram sempre defendidas com vigor e ele se comprazia em me fisgar e me puxar para discussões animadas e emotivas. Ele era um homem apaixonado que amava demais o xadrez. Explicou sua teoria, sobre a qual penso com frequência. Ela dizia o seguinte: “Quando você me mostra uma partida de Capablanca, eu penso, ‘A-ha, Muito legal. Muito suave. Lances lógicos. Jogo bonito. Deve ser uma partida de Capablanca!’ Depois, você me mostra outra partida e eu penso, ‘Meu Deus! Quem é esse bandido jogando com as Brancas? Olhe estes sacrifícios descuidados, ousados. E esse lance calmo, também! Incrível! Perdendo duas peças e ele para para fazer um lance desses. E ele venceu! Mas claro, me dou conta, este é Tal.’ E outra partida. ‘Eu não consigo entender o que o jogador está fazendo. Ele está tomando precauções extraordinárias e seu adversário nem sequer está atacando. Agora ele manobrou suas peças para trás e depois para frente outra vez em boas casas. Ele melhora sua posição mas não fez nada concreto. Meu Deus! O adversário está sufocado e simplesmente morto! Onde estava o erro? É claro, este é Petrosian.’ Veja você, Jasser! Eu reconheço o estilo. Mas quando eu analiso uma partida de Bobby, eu não vejo nada. Não tem estilo. Bobby jogava com perfeição. E a perfeição não tem estilo.”
A perfeição não tem estilo. Um conceito muito interessante, se você parar para pensar. Ficamos horas discutindo e, no fim, eu achei a teoria de Miguel muito convincente. Hoje, com o advento dos computadores, essa discussão sobre se a perfeição tem um “estilo” poderia ser retomada. Eu sempre gostei de jogar Blitz e, atualmente, jogo on-line. Às vezes, depois de uma vitória, meu adversário me acusa furiosamente de estar usando um computador e coloca meu nome no “ignorar” sem saber quem eu sou. Quando analiso a partida que venci, ela pode parecer “estilosa”, mas alguns dos lances eram, na verdade, os segundos melhores. As duas coisas combinam? Alguns usam o termo computer-like (semelhante a computador) para descrever um lance, uma estratégia ou o final de uma partida. É esta última parte que eu acho interessante. A expressão computer-like tem uma forte conotação de precisão e perfeição. Mas os computadores vencem de uma maneira complicada. Eles não trocam quando têm vantagem material, uma tendência humana natural e uma prática bem estabelecida para reduzir o potencial de caos. Os computadores empilham complicações em cima de mais complicações, sabendo como vão se sair. Esse jogo dinâmico muitas vezes faz com que os computadores vençam com mais rapidez do que os humanos, que trocam quando têm vantagem material. E, garantindo que fiquem dentro de seus limites, os computadores nunca cometerão um erro devido à fadiga. O que os humanos vêem como “complicações” são, para um computador, simplesmente a demonstração de um teorema.
Existe estilo em tal perfeição? Bobby venceu muitas partidas complicadas e sem dúvida parecia deleitar-se com táticas, mas ele também ficava feliz ao simplificar para uma vitória técnica. Ele jogava com perfeição? Muitos de seus colegas achavam que sim, embora análises computacionais posteriores tenham demonstrado que mesmo Bobby às vezes não jogava perfeitamente. Mas perfeição e estilo estão nos olhos de quem vê e, em um sentido real, o jogo de Bobby transcendia o estilo. Na década de 1970, eu costumava viajar para a Big Apple para jogar em eventos e encontrar adversários para jogar Blitz. Inclusive visitei a famosa “Flea House” perto de Times Square antes de me decidir pelo Manhattan Chess Club como meu refúgio predileto para jogar Blitz. Quando estava na cidade, eu tentava me encontrar com Asa Hoffman, um conhecido mestre de Blitz que sabia muitas histórias sobre Bobby, e passávamos horas juntos enquanto ele me contava sobre como ludibriava Bobby, fazendo apostas que nem mesmo Bobby podia superar. “Ele me dava vantagem de cinco para um em dinheiro e também vantagem do empate. Sem vantagem de tempo. Nós dois jogávamos com cinco minutos cada um. Ele vencia nos placares, eu ganhava o dinheiro.” Assim Asa descreve suas sessões.
Em uma de minhas visitas, Asa me apresentou a Jackie Beers. Jackie usava barba e tinha uma aparência desleixada naquele dia. Contudo, ele foi apresentado como um confidente íntimo de Bobby. Sentamos para uma boa conversa e Jackie me contou que recentemente tinha recebido uma chamada: “Bobby me perguntou se eu podia emprestar-lhe 50 pratas”. Eu fiquei surpreso. “Eu disse que, se eu tivesse, certamente lhe mandaria, mas eu disse a verdade, que eu não tinha os 50 dólares”. Eu acreditei que Jackie estava dizendo a verdade quando disse que não tinha os 50 dólares, mas poderia mesmo ser verdade que Bobby era tão pobre que precisava pedir dinheiro emprestado a amigos que mal podiam atendê-lo neste modesto pedido de ajuda? Parecia totalmente incoerente. Como seria possível? Estávamos falando de um homem que podia ganhar milhares de dólares em um único dia jogando em torneios, participando de simultâneas ou mesmo dando uma palestra. Seria tão simples e, no entanto, Bobby preferia pedir dinheiro emprestado? Viver uma vida de miséria? Mas que diabos estava acontecendo? Eu fiquei totalmente confuso.
Durante uma de minhas visitas a Nova Iorque eu fiquei com uma família. O marido era um médico suíço, o “Dr. Rudy”. Ele se interessava muito por xadrez pois seus dois filhos jogavam. Ele fizera contato com Claudia e queria ajudar Bobby a sair de sua aposentadoria auto imposta. Ele agendou um encontro com Bobby e pagou 5 mil dólares adiantados pelo privilégio de conhecer e falar com ele. As conversas deveriam ser totalmente sigilosas e não haveria fotos. O Dr. Rudy embarcara na aventura e saiu com uma impressão extremamente positiva. Bobby estava pronto, disposto e até ansioso para jogar, mas insistia nas regras de Steinitz para jogar em matches. Infelizmente, ele não estava interessado em participar de torneios.
No decorrer dos anos, conheci numerosas pessoas que tinham feito o mesmo que o Dr. Rudy, pagando cinco mil dólares pelo privilégio de um encontro. A maioria desses encontros parecia ter ido muito bem e o pessoal saía confiante. Confiantes ou não, tudo deu em nada.
HAVIA ALGUMA ESPERANÇA?
Minha história predileta sobre “pagar pelo privilégio de conhecer Bobby” é a de Arnfried Pagel. O Sr. Pagel era um industrial no ramo de cimentos que se fixou na Holanda, perto de Beverwijk. Por seu grande interesse em xadrez, ele patrocinava um clube local, o Koningsclub. Pouco tempo depois, o Sr. Pagel decidiu que seu clube estava destinado a tornar-se o Clube Campeão de Xadrez da Holanda e, assim, saiu em busca de “mercenários”, Grandes Mestres que ele contrataria para jogar em seu esquadrão. Naquela época, levava tempo para promover um clube para o nível mais alto da liga, mas o Sr. Pagel estava ansioso para que seu time vencesse o Campeonato da Liga “antes do tempo”. Ele resolveu contornar o processo de qualificação usual e propôs um desafio direto a Volmac, o Campeão dos Clubes Holandeses. A equipe do Volmac aceitou o desafio, e fui contratado pelo Sr. Pagel, por indicação de Lev Alburt, para jogar para seu Koningsclub. O Sr. Pagel foi um anfitrião maravilhoso, e, para minha sorte, o resultado do match de dois dias dependia do resultado de minha segunda partida contra Raymond Keene. Se eu vencesse, o Koningsclub venceria o match de desafio, e foi exatamente isso o que aconteceu. O Sr. Pagel estava nas alturas e me convidou, assim como Victor Korchnoi, da equipe do Volmac, para jantar e jogar bridge. Naquela noite, o Sr. Pagel nos contou a seguinte história, que também resumi assim:
“Depois que comecei a patrocinar o Koningsclub, comecei a me dar conta de que seria um verdadeiro sonho para mim se Bobby Fischer jogasse ao menos uma partida pela equipe. Escrevi para Claudia e fiz a oferta de pagar 100 mil dólares a Bobby para jogar uma única partida. Como estávamos nos níveis mais baixos na época, o adversário de Bobby seria um verdadeiro amador no xadrez escolhido de forma totalmente aleatória. Recebi uma resposta afirmativa de que Bobby estava disposto a conversar sobre a minha oferta, mas gostaria de me encontrar para tratar dos detalhes. Haveria uma “taxa de ingresso” para o público? A partida seria filmada? E assim por diante. Eu teria que pagar 50 mil dólares para me encontrar com Bobby para acertar os detalhes e voar para Pasadena. Eu concordei sem hesitar.
“Em meu primeiro encontro com Bobby tudo correu bem. Conversamos sobre muitos detalhes e chegamos a um acordo geral. Passei algumas horas com ele no primeiro dia e ele me elogiou, dizendo que desfrutara imensamente de minha companhia e me perguntou se poderíamos nos encontrar novamente no dia seguinte, para que ele tivesse tempo de pensar sobre nossa conversa e os principais pontos. É claro que eu concordei. Encontramo-nos de novo e parecíamos ter feito muito progresso. Isso continuou, mas eu tinha um sentimento muito desconfortável de que, apesar de ser, no meu entendimento, uma oferta muito generosa, de alguma forma Bobby estava procurando um motivo para dizer não. Se esse fosse o caso, minha viagem teria sido em vão e eu voltaria para a Holanda de mão vazias. E o pior é que eu não tinha absolutamente nenhuma prova de que eu sequer havia me encontrado com Bobby. Uma das condições de nosso encontro foi a de que não haveria câmeras nem fotos nem comentários com a imprensa sobre o nosso encontro. Eu tinha concordado. Mas o que fazer agora? Eu não queria voltar de mãos totalmente vazias.
“Por fim, decidi contratar um detetive particular. Sua tarefa seria tirar uma foto de Bobby comigo de longe, sem que ele o soubesse. Eu evidentemente manteria a foto em total sigilo e só a usaria como prova de que havia realmente me encontrado e discutido com ele a ideia de ele jogar uma par-tida para o clube.
“Durante os encontros, nossas conversas estavam ficando presas a detalhes. Bobby estava fazendo perguntas para as quais eu não tinha respostas e a possibilidade de chegar a um acordo estava diminuindo. Faríamos uma última tentativa e um terceiro encontro final, pois eu precisava voltar para a Holanda. Combinamos de nos encontrar em um determinado banco de um parque ao meio-dia. Eu estava lá pontualmente. Nada de Bobby. Passados quinze minutos, comecei a duvidar de que estava no lugar certo. Nos encontros anteriores, Bobby tinha sido sempre pontual. Assim, eu estava sentado em um banco de parque começando a ter dúvidas, quando ouvi um ‘psiu’ vindo das árvores atrás de mim. Isso continuou e eu olhei para as árvores e vi Bobby.
‘Bobby! O que você está fazendo nas árvores? Saia daí’, eu disse. ‘Não’, disse Bobby. ‘ Venha você aqui’. Daí eu fui até as árvores onde Bobby estava se escondendo e começamos a sussurrar em um tom conspiratório. ‘Por que estamos nos escondendo assim?’, perguntei. Bobby parecia muito agitado e olhava em volta. ‘Estou sendo seguido!’, ele disse. “É claro que eu imediatamente compreendi que Bobby tinha descoberto que estava sendo seguido pelo detetive particular que eu tinha contratado para tirar nossa foto. Eu não poderia dizer uma palavra sem me entregar. De algum modo, andamos pela fileira de árvores e despistamos nosso perseguidor. Posteriormente, eu consegui minhas fotos, mas Bobby nunca jogou pela minha equipe. Depois desta viagem, eu entendi que Bobby não jogaria xadrez outra vez.”
A história de Pagel, que ele me contou em maio de 1982, embora engraçada, trouxe uma grande decepção. Embora dez anos tivessem se passado desde que Bobby tinha jogado uma partida de xadrez em público, todos tínhamos esperança de que ele retorna-ria à arena do xadrez, mas a história de Pagel parecia por um fim a essa perspectiva para sempre. Afinal, o que poderia ser mais simples? Jogar uma única partida na Liga Holandesa contra um amador com rating de 1200 por uma remuneração de cem mil dólares. Nenhum título mundial em jogo; nenhum intermediário soviético com o qual tratar; nenhuma competição endossada pela FIDE; nenhum adiantamento nem intervalos prolongados ou postergações; apenas duas pessoas disputando uma partida vespertina em um clube local. Caramba, eles podiam até dividir uma rodada de cerveja durante a partida, que é uma prática comum. Se aquela oferta não foi aceita, que esperança poderia haver para um evento mundial mais sério? O relato de Pagel me fez afundar completamente.
Mais um detalhe da história da Pagel que vale a pena contar. Ele havia combinado com Claudia de se encontrar com Bobby por uma taxa de 50 mil dólares. Essa taxa incluía o acordo de que Bobby tornar-se-ia membro honorário do Koningsclub. Quando chegou a hora de Pagel pagar a Bobby seus honorários, ele apresentou cinco maços bem organizados com 10 mil cada um. Bobby, que gostou de Pagel, devolveu três dos maços, explicando que 20 mil eram suficientes. Bobby tinha uma personalidade complicada. Se ele gostasse de você, ele abriria mão de seus honorários e seria generoso; se não gostasse, independentemente da quantidade de dinheiro envolvida, ele simplesmente recusaria, inclusive, ofertas de um milhão ou mesmo de cinco milhões de dólares. Por que eu ainda nutria esperanças de um retorno de Bobby ao tabuleiro? Ao longo do tempo, minhas vagas esperanças tinham sido nutridas pelos Grandes Mestres Eugene Torre das Filipinas e Miguel Quinteros da Argentina. Ambos eram amigos íntimos de Bobby e, mais importante, seus confidentes. Em diversas ocasiões e lugares, eles pareceram ter se encontrado com Bobby por alguns dias de troça e diversão e, evidentemente, um tabuleiro de xadrez era inevitavelmente puxado. Bobby ainda estudava a Chess Informant e deliciava-se em desmontar a análise de Karpov (que Bobby chamava depreciativamente de “Kar-piche”) e do jovem Kasparov. Bobby começava: “Está bem, vejamos agora como o dito Campeão Mundial, o Sr. Kar-piche joga xadrez... Agora nesta posição, que Kar-piche diz equilibrada. É mesmo? O que será que ele faria diante deste lance? Talvez o dito Campeão Mundial quisesse abandonar a partida?” “Oh, e isso é bom. Aqui ele diz que está ganhando. Interessante. Depois deste lance, não podemos concordar em um empate?”
Eu jurei tanto a Eugene quanto a Miguel não contar nada a ninguém e regozijava-me por ter obtido sua confiança. Nunca revelei o que eles me mostraram, mesmo quando estava explodindo de vontade de fazê-lo. É claro que eu já me esqueci das muitas posições que eles mostraram, onde Bobby desmantelava a análise do “dito Campeão Mundial”, mas uma coisa estava clara: Bobby tinha encontrado defeitos na análise dele. Defeitos indiscutíveis. “Por que ele estava estudando as partidas de Anatoly Karpov tão atentamente se não estava determinado a arrasá-lo no tabuleiro?”, eu pensava. Depois, eu refletia sobre o relato de Pagel e me perdia. Quero dizer, ali estava um patrocinador perfeito, um industrial nascido na Alemanha, disposto a pagar milhares de dólares e a aceitar todos os termos e as condições que Bobby exigisse, uma pessoa que fez uma amizade com ele e, mesmo assim, não foi possível chegar a um acordo. E o que pensar de Jackie Beers e a necessidade de pedir 50 dólares emprestados? Era muitíssimo confuso!
Em outra ocasião, Miguel Quinteros contou-me uma história fantástica que era mais ou menos assim. Ele e Bobby combinaram de visitar Las Vegas e curtir um pequeno feriado. Bobby não gostou da ideia de se hospedar em um dos grandes cassinos e preferiu ficar em um hotel fora do circuito de cassinos. Eles dividiram um quarto duplo e saíram para jogar nas máquinas caça-níqueis, comer num buffet e assistir a algum show. Miguel explicou que tinha várias malas Samsonite grandes, onde levava seus ternos caros feitos sob medida, enquanto Bobby tinha uma mala leve e uma pequena bolsa, semelhante a uma pasta executiva, que ele mantinha chaveada e escondida debaixo de sua cama. Essa pasta especial continha as valiosas revistas em quadrinhos mexicanas de Bobby, que ele adorava, além de alguns suplementos vitamínicos. Certa noite, quando voltaram ao quarto, perceberam que haviam sido vítimas de um assalto. Os ladrões não haviam levado os ternos caros de Miguel, e a única coisa que estava faltando era a pequena valise chaveada de Bobby, escondida debaixo da cama. Bobby choramingou: “O cara rouba minhas revistas e não toca nos teus ternos? Qual é a dele?” Miguel ri disso há anos. Uma história final de Miguel Quinteros. Um de seus amigos mais queridos e próximos é seu conterrâneo Jorge Rubinetti. Eles participaram de um torneio round robin em Buenos Aires, em 1970, com Bobby. A partida estava marcada para a tarde e, perto do meio-dia, Miguel ouviu alguém batendo na porta de seu quarto no hotel. Era Jorge, seu amigo de infância. Em algumas horas, ele teria que encarar o grande Bobby Fischer. “Por favor”, disse Jorge, “você precisa me ajudar a me preparar! Hoje eu jogo de Pretas contra Bobby e você precisa me dizer o que preciso fazer.” E, então, o que o querido e íntimo amigo Miguel aconselhou a seu maior amigo, que era como um irmão, em seu desesperado momento de necessidade? Miguel sorriu, meneou a cabeça e disse: “Jorge, deixe-me explicar. Este cara vai te arrasar. Ele estudou a vida inteira para derrotar patos como nós. Você não tem chance. Não há nada que eu possa te aconselhar para impedir o inevitável. Por favor, não vamos perder tempo e vamos ter um belo almoço juntos. Depois você pode me mostrar como perdeu.” Nós todos tínhamos sido informados de que Bobby tinha uma grande capacidade para trabalhar duro no xadrez, que ele estudava até tarde da noite e passava a maior parte de suas horas de vigília lendo livros e revistas de xadrez. A história a seguir foi contada por outras pessoas, mas eu posso tranquilamente confirmar sua autenticidade. Ela me foi contada por Allen Kaufman. Allen era há muito o diretor executivo da American Chess Foundation (ACF), que hoje é a Chess-in-Schools Foundation. Nos velhos tempos, a ACF começou como uma fundação para apoiar os esforços de Samuel Reshevsky em sua luta pelo Campeonato Mundial. Vou resumir a história de Allen: “Eu conhecia Bobby muito bem e o via sempre pela cidade de Nova Iorque, em clubes e em torneios. Nós nos dávamos bem. Na época em que ele estava se preparando para seu confronto com Spassky, ele andava carregando seu famoso “livro vermelho”. Este era a edição da série alemã (Weltgeschichte des Schachs Volume 27) que continha as partidas de Spassky (mais de 350 partidas). Era o tipo de brincadeira que Bobby adorava fazer com as pessoas, inclusive comigo. Ele nos alcançava o livro e dizia: ‘Escolha uma partida’. Eu abria o livro e escolhia uma. ‘Diga-me o número da partida, o nome do adversário e onde a partida foi disputada’. E eu dizia. Bobby então reconstituía a partida e os movimentos exatos. Você podia literalmente pôr o dedo sobre a página, acompanhar os lances nos diagramas e Bobby lhe dizia quando ela iria terminar. Era realmente a coisa mais incrível. Não esqueça que os jogadores às vezes repetiam um ou dois lances para ganhar tempo no relógio, e Bobby acertava o placar. Só posso explicar isso como uma memória fotográfica, pois Bobby tinha memorizado o livro inteiro.”
Pessoalmente, isso me pareceu uma verdadeira proeza. Eu mal consigo me lembrar de minhas próprias partidas, muito menos memorizá-las lance por lance. Fazer isso com as de outro jogador? Fala sério. De jeito nenhum!
A VISÃO DE MUNDO DE BOBBY
Bobby havia enviado a Victor Korchnoi uma série de livros que Victor me emprestou e que eu li integralmente. Esses presentes de Bobby incluíam The Elders of Zion, The Protocols of Zion e cinco outros títulos, todos falando soturnamente sobre os Illuminati. Todos tinham a mesma mensagem básica: o mundo estava sendo vítima de uma conspiração universal de banqueiros, muitos dos quais judeus. Esses livros eram mal escritos, com numerosas frases grafadas com letras maiúsculas para enfatizar as principais ideias e coisas do tipo. Os livros professavam que uma Conspiração Mundial de Bancos (judia) estava determinada a instituir um governo totalitário no mundo que nos escravizaria a todos (através de dívidas).
Os livros enredavam várias instituições, incluindo os Rothschild, o Banco da Inglaterra, o Federal Reserve (privado), a fundação da Receita Federal, as Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Trilateral, o Grupo Bilderberg, a sociedade secreta Skull and Crossbones de Yale, os maçons e assim por diante.
Os fatos históricos eram descritos de modo a torná-los necessários para que as metas dos Illuminati fossem alcançadas. Todo grupo internacional era visto com desconfiança, e todos eram guiados pelo desejo de nos converter em escravos da dívida e assim controlar o mundo e toda a humanidade. No extremo mais profundo da conspiração, os líderes desse complô haviam criado uma máquina do tempo que lhes permitia se-rem transportados para momentos cruciais na história para mudar o desfecho. Era uma descoberta muito deprimente. Havia muitas passagens que Bobby havia obsequiosamente sublinhado para que Victor pudesse ver a verdade. Ai meu Deus. Depois de ler esses livros durante várias semanas, duas coisas me vieram à cabeça imediatamente. Primeiro, e mais importante, como alguém poderia levar esses livros a sério? Segundo, como eu podia me unir aos Illuminati? Afinal, os livros pintavam um quadro bastante sombrio da inevitabilidade do êxito do complô. Se não podemos derrotá-los, podemos nos unir a eles. Ser o zelador, digamos, da América do Norte, não parecia ser uma batida ruim (bad beat),* já que de qualquer maneira estávamos todos condenados. Na época, atribui a culpa pelas concepções políticas, econômicas e de mundo de Bobby a seu tipo particular de credo cristão fundamentalista – um sistema de crenças da proximidade do dia do juízo final que aguardava a vinda dos cavaleiros do apocalipse, como profetizado pelo Novo Testamento, para pisotearem todos nós. Esse credo, casualmente, é muito favorável a Israel e à expansão sionista. Ficou claro que, depois que rompeu com sua Igreja, Bobby inverteu suas concepções sobre Israel, assim como sobre o povo judeu. Por suas posteriores transmissões de rádio das Filipinas publicadas na internet, descobrimos que as visões de Bobby sobre a “conspiração judia” haviam se fortalecido e ele falava com amargura sobre elas, sobre seu país e sobre o povo dos Estados Unidos. Era fisicamente doloroso ouvi-las. Em algum ponto na metade da década de 1980, deparei-me com um panfleto a respeito do qual já havia lido. Ele se chamava I Was Tortured in the Pasadena Jailhouse!, da autoria de Bobby Fischer, o Campeão Mundial de Xadrez. Se alguma vez li um grito de ajuda, ali estava ele. O copyright era de 1982 e o panfleto foi publicado por Bobby Fischer. O preço de capa era um dólar. Os parágrafos são precedidos por títulos em negrito. Os títulos contam a história completa do que aconteceu:
Assalto a banco... Sério... Preso... Brutalmente algemado... Falsa prisão... Humilhado... Sufocado... Descrição do assaltante... Completamente nu... Nenhum telefonema... Cela do horror... Isolamento e tortura... Hospital psiquiátrico... Passando fome e frio... Colchão interno... Refeição e quentinha... Sem água... Tira doente... Indecência da polícia... Ameaças... Mesmas perguntas e respostas... Crimes da polícia... Telefonema... Impressões digitais... Assinado sem ler... Nenhuma acusação por escrito... (Nenhum) Dinheiro de volta... Simulação... Perguntas não feitas... Fatos verídicos...
O panfleto foi assinado com um fac-símile por “Robert D. James”. Abaixo da assinatura havia uma explicação: “Robert D. James (profissionalmente conhecido como Robert J. Fischer ou Bobby Fischer, o Campeão Mundial de Xadrez)”.
Quem lesse esse panfleto não poderia deixar de querer se envolver na vida de Bobby e salvá-lo de si mesmo e de seu ambiente. Basicamente o que aconteceu é que ele estava caminhando em um belo bairro de Pasadena tarde da noite. Um assalto a banco havia ocorrido mais cedo naquele dia. A polícia estava atenta para pessoas que parecessem deslocadas. Quando a polícia parou para interrogá-lo, Bobby assumiu um ar desafiador e citou os direitos constitucionais na Quinta Emenda para não ser incriminado. Ele foi detido. Resistiu, recusando-se a cooperar, e as coisas foram piorando. Onde estavam os amigos de Bobby? Por que eles não estavam tentando ajudá-lo? Não seria possível convencê-lo a fazer terapia? O panfleto era, em minha opinião, a gota que faltava. Eu não conseguia imaginar Bobby saindo de seu isolamento auto imposto. Mais do que tudo, esse panfleto expõe o mito de que Bobby derrotara o império soviético sem ajuda. Sem ajuda, quando confrontado pela polícia em Pasadena, ele fez um tolo de si mesmo e acabou preso. Se ele tivesse dito simplesmente: “Eu sou Bobby Fischer. O presidente Nixon declarou-me um herói nacional. Eu derrotei os russos no Campeonato Mundial de Xadrez de 1972 e conquistei o título para os Estados Unidos”, os policiais provavelmente teriam parado imediatamente, surpresos, pediriam um autógrafo e ofereceriam uma carona até sua casa. Bobby sem dúvida apresentava muitos comportamentos autodestrutivos e às vezes era seu pior inimigo.
Minha próxima história sobre Bobby foi contada por Bessel Kok. Como pano de fundo para esta história, vamos começar em Dubai durante a Olimpíada de Xadrez de 1986. O então Campeão Mundial, Garry Kasparov, e Bessel Kok, presidente da Corporação SWIFT, com sede em Bruxelas, decidiram fundar a Grandmasters Association (GMA), ou Associação de Grandes Mestres. Fui convidado para ser um dos diretores fundadores – tarefa que aceitei com entusiasmo. Em fevereiro de 1987, tivemos nossa primeira reunião de diretores, em Bruxelas, e a GMA foi fundada. Os primeiros anos foram de considerável sucesso e a GMA criou sua própria série de eventos da “Copa do mundo”. Muitos se referem ao período de 1987 a 1991 como a época de “ouro” para o xadrez. Bessel era presidente da GMA e meteu na cabeça que gostaria muito que Bobby se associasse à GMA. (As taxas eram de 20 dólares por ano.) Ele convidou Bobby para visitar Bruxelas e, a seguir, está minha sinopse da história de Bessel:
“Convidei Bobby para vir a Bruxelas, onde nos encontraríamos e conversaríamos sobre a possibilidade de ele se associar à GMA, além de falarmos a respeito dos projetos de xadrez nos quais ele estivesse interessado. Bobby veio e ficou em minha casa por volta de uma semana. Ele estava muito preocupado com a possibilidade de ser reconhecido e de a imprensa fazer alarde. Por isso, mais ou menos por medo de ser descoberto, ele basicamente ficava em casa, o que me deixou maluco, pois eu queria sair e mostrar-lhe a cidade. Quando falávamos sobre a GMA e possíveis projetos de xadrez, as conversas não davam em nada e nada iria acontecer.
“De repente e surpreendentemente, bem no fim de sua estadia de uma semana, Bobby resolveu que queria ir a um bar, o que ele chamava de um “bar de garotas”. Por sorte, eu conhecia um. Fomos até lá e pedimos uma garrafa de champanhe cara. Sem problemas, eu estava feliz de estar fora de casa. Logo Bobby estava conversando com uma moça e eu com outra. Nós estávamos de costas um para o outro, mas eu prestava atenção na conversa que estava acontecendo atrás de mim.
“Era o tipo de conversa trivial que se tem nestas ocasiões, até que a mulher fez uma pergunta de parar o coração: ‘Então, com o que você trabalha?’ Tenho certeza de que o champanhe teve um efeito suavizante, mas eu senti Bobby empertigar-se e endireitar as costas.
‘Eu sou um Grande Mestre Internacional de Xadrez!’, Bobby disse sem rodeios. Fiquei surpreso com sua admissão, mas a mulher respondeu com entusiasmo. ‘É mesmo? Eu também jogo xadrez! Eu sei o nome de muitos Grandes Mestres. Qual é o seu?’ “Neste momento, eu tive que interromper minha conversa para me virar e ouvir o que estava acontecendo atrás de mim. Tinha se tornado muito interessante. Bobby parecia genuinamente encantado com o fato de que a mulher sabia alguma coisa de xadrez.
‘Bom, meu nome é Robert James Fischer. Eu sou o Campeão Mundial de Xadrez!,’ exclamou Bobby, com um tom resoluto. ‘Ora vamos’, disse a mulher. ‘Pare de fazer piadas. Você não é Bobby Fischer! Ontem tivemos Dali, e agora é o Fischer’, disse ela fazendo beicinho. ‘Mas olha, pague-me outra taça de champanhe e eu te chamarei de Bobby pelo resto da noite.’ “Bobby estava evidentemente chocado porque a mulher não acreditara nele, enquanto eu ria sem parar. Bobby começou a vasculhar sua carteira e os bolsos do casaco tentando encontrar algum documento que provasse sua identidade. Ele passara anos tentando esconder sua identidade e, no momento em que desesperadamente queria provar quem era, não podia. Mesmo quando tentei socorrê-lo dizendo: ‘Sim, este é real-mente Bobby Fischer’, recebemos ambos um olhar incrédulo. Foi uma das experiências mais engraçadas de minha vida. Fischer não podia provar quem ele era”. Bessel, que tem um temperamento tranquilo e ri com frequência, sempre conta essa história com risadas entusiasmadas. Por sua forma de contar, a gente imagina o que ele deve ter rido. A história de Bessel sempre me faz rir sempre que ele ou eu a reconto. É a história pela qual eu gostaria de me lembrar de Bobby, em que ele tem orgulho de ser quem é e quer provar sua verdadeira identidade, em vez de se esconder por trás da máscara que fez para si mesmo. Para mim, Bobby é um enigma; uma pessoa mítica. Um herói que se tornou uma pessoa amarga que desdenhava do mundo. Um homem que lutava contra demônios reais e imaginários. Um homem que investia contra moinhos de vento. Mas o pior, muito pior, ele foi um homem de extraordinário potencial que não se realizou. Bobby poderia ter sido o Mohammed Ali do mundo do xadrez. Poderia sozinho ter levantado o esporte e o colocado na cena mundial. Ele recusou esse papel heróico e preferiu fugir para seu mundo particular isolado. A perda para o mundo do xadrez foi simplesmente incomensurável.
O RETORNO DE BOBBY
Bobby era, evidentemente, um deus do xadrez. Se tivesse continuado a jogar, ninguém sabe o que teria alcançado, que disputas e torneios teria vencido, se teria alcançado um inexpugnável recorde de matches e torneios e se teria a supremacia por uma década ou mais.
Mas, em 1992, Bobby chocou o mundo. Ele saiu da aposentadoria, voltando a confrontar Boris Spassky. Foi um match sobre o qual Garry Kasparov, entre muitos outros, falou mal, declarando que as partidas eram de má qualidade e exemplos de “xadrez de velhos”. Foi dito que Bobby era de outra época e nunca deveria ter voltado a jogar, pois seu jogo prejudicou sua condição legendária. Surpreendentemente, essa foi a linha adotada pela Chess Life, a publicação oficial da USCF. Os comentaristas pareciam especialmente ávidos por criticar os lances escolhidos. Eu visitei o match, encontrei-me com Bobby por um dia e escrevi um livro sobre isso, No Regrets (Sem Arrependimentos).
Vamos colocar esse confronto de 1992 em seu devido contexto, certo? Bobby não havia movido um peão em público por 20 anos. Dizer que ele estava “enferrujado” seria dizer pouco. Seria como se um ciclista como Lance Armstrong se ausentasse por duas décadas e depois anunciasse que iria competir no Tour de France. Impossível. Então, o que eu poderia esperar? Eu esperava que vencesse, mas que o faria de uma maneira desleixada. Em vez disso, eu desafio a todos a reconstituir a Primeira Partida daquele confronto. Foi incrível! Não apenas uma pérola, foi uma partida excepcional. Todos os lances de Bobby estavam corretos. Perfeitos! Eu estava estupefato. Depois, vejamos a Segunda Partida. Mais uma vez, em cerca de 60 lances, Bobby jogou xadrez perfeito. Simplesmente perfeito. Ele construiu uma posição vitoriosa, mas na sexta hora de jogo concedeu a Boris uma pequena escotilha de fuga, que Boris descobriu e evitou a derrota. Incrível. Bobby voltou ao xadrez e jogou seus primeiros 100 lances de maneira perfeita. Vou repetir isso: de maneira perfeita. Quem sabe o que ele poderia ter alcançado se estivesse ativo por vinte anos, mas aqueles 100 primeiros lances em 1992 me convenceram de que ele tinha potencial para ser o melhor de todos os tempos.
Uma vez conversei com meu pai sobre Bobby no começo dos anos oitenta. Eu tinha falado sobre minha admiração por Bobby e meu pai demonstrou uma indiferença quase veemente. Surpreso, perguntei por que ele tinha uma opinião tão forte e negativa sobre ele. Parafraseando: “Bobby venceu o Campeonato Mundial de Xadrez. Ele lutou e venceu uma vez. Uma vez. Eu já fui pára-quedista. Qualquer idiota é capaz de se jogar de um avião. Você passa a ser respeitado quando o faz pela segunda vez, pois você conhece seus medos e o que precisa enfrentar.” Palavras fortes e reveladoras, sem dúvida.
ENCONTRANDO BOBBY FISCHER
Fui à Iugoslávia para uma parte do confronto de Fischer e Spassky de 1992 e me encontrei com Bobby e passei um dia com ele. Aquelas poucas horas juntos foram, de meu ponto de vista, uma experiência muito agradável. Eu estava eufórico por conhecê-lo e fico grato a ele pelo tempo que passamos juntos: um dia inteiro. Eu o guardarei com carinho. Bobby agradeceu-me pessoalmente por ter viajado até Sveti Stefan para o confronto, e lamentava que eu fosse o único Grande Mestre americano presente. Ele achava que seu retorno não tinha recebido a aclamação que merecia. Eu conto isso como pano de fundo para o retorno que recebi, por fofocas, de que Bobby parecia estar furioso comigo porque eu tinha escrito No Regrets e assim tinha me beneficiado com o retorno dele ao xadrez. Eu me reuni às legiões de outras pessoas que lucraram com ele. Embora No Regrets não tenha me trazido nem fama nem fortuna, fiquei orgulhoso pelo livro e recebi um elogio fantástico de Boris Spassky, que adquiriu 47 exemplares. Este era claramente o caso de “maldito se fizer e maldito se não fizer”. Entristece-me pensar que Bobby tinha má opinião sobre mim antes de falecer. Seria tolice escrever novamente sobre o dia que passei com Bobby aqui, pois eu contei isso em detalhes em No Regrets. Em retrospectiva, eu diria que duas coisas se destacam em nosso encontro. A primeira foi como Bobby me elogiou por Cinco Coroas (Five Crowns). Aquele livro fazia uma análise profunda de todos os 24 jogos do confronto entre Kasparov e Karpov em 1990. Em mais de duzentas páginas de análise, Bobby encontrou dois erros. Erros que eu também tinha descoberto depois da publicação. Ele conhecia os jogos e onde eu havia me perdido. Eu fiquei impressionado.
A segunda coisa foi que, antes de me encontrar com ele em sua suíte, tanto Eugene Torre quanto Svetozar Gligoric me disseram que Bobby estava enfezado comigo. Eu tinha escrito uma coisa na Inside Chess de que ele não tinha gostado. Eu me referi a ele como “o fantasma de Pasadena”. Bobby se queixou, dizendo: “Eu não sou um fantasma, eu sou um homem”. Assim, decidi lhe pedir desculpas e receber o perdão dele. Quando fomos nos cumprimentar, segurei a mão dele enquanto pedia desculpas e não a soltei antes que ele dissesse: “Vamos esquecer isso tudo.”
Com isso fora do caminho, Bobby estava animado, falava rápido e ria facilmente. Compartilhávamos histórias de Bruce Lee, o artista marcial que ambos admirávamos. Para ler o relato completo de meu encontro com Bobby, o leitor deve ler No Regrets. Depois de 1992, nunca mais me encontrei nem falei nem mantive correspondência com Bobby. Um livro que vou sempre valorizar, mesmo com a capa despedaçada, é My 60 Memorable Games de Bobby. Existem histórias para todas as partidas disputadas, e uma delas tocou meu senso de humor.
Arthur Bisguier relata o seguinte incidente no Aberto do Estado de Nova Iorque, realizado em Poughkeepsie, em agosto/setembro de 1963. A passagem a seguir foi extraída de The Art of Bisguier, Selected Games 1961-2003 (Milford, 2008): “Jogando contra Bobby no Aberto do Estado de Nova Iorque naquele ano, percebi que ele estava demorando demais para jogar. Daí vi que ele tinha pegado no sono. Em alguns minutos a seta em seu relógio iria cair e ele perderia por tempo. Não é assim que gosto de ganhar partidas, torneios ou títulos. Por isso cometi o que alguns chamaram de maior erro do torneio. Eu acordei o Fischer. Bobby bocejou, deu seu lance, bateu no relógio e me derrotou. Essa acabou sendo a Partida 45 em My 60 Memorable Games. Depois eu soube que Fischer tinha ficado acordado até tarde na noite anterior jogando Blitz para ganhar dinheiro.”
Eu acho que nunca tive um adversário que tenha adormecido durante uma partida, mas alguns deles certamente chegaram perto disso. Às vezes fico preocupado que isso possa ser um efeito dos aspectos posicionais de meu estilo. Fico pensando em como eu teria agido. Acredito firmemente que devo lembrar meus adversários de apertar o relógio quando eles esqueceram de fazê-lo, além de lembrá-los que seu tempo se esgotou (caso eu tenha certeza disso). Mas, se Bobby adormecesse, eu poderia achar que o coitado precisava de uma hora de descanso...
No fechamento deste capítulo, eu coloco Robert James Fischer como o terceiro maior jogador de todos os tempos. Ele foi um gigante que se dedicou ao xadrez e nos deixou um legado de partidas de tirar o fôlego. Receio que ele será lembrado mais por ter abandonado o xadrez prematuramente do que pelo que contribuiu para o esporte. No xadrez, recordamos nossas derrotas muito mais do que nossas vitórias. A ausência de Bobby foi a maior perda que o xadrez sofreu desde Paul Morphy. A estrada para a recuperação ainda está em andamento. Existe um vídeo islandês sobre Bobby Fischer que eu achei muito bom: faça uma busca na internet por “Documentary Fischer VS Spassky”.
Seria bom pesquisar sobre uma simultânea de BF em Tucuman, República Argentina, na que perdeu para José Rubinstein
ردحذفParabéns,foi um grande campeão.
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